quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Dia primeiro

Por Raphael Dias Nunes

O ano Chorumélico de 2009 começou no dia 13 de janeiro, graças ao post de nosso amigo colunista Gabriel Mattos. Para muitos, o ano só começou no dia 02, 03 ou até no dia 05. O meu começou no dia 01, em grande estilo. Vou contar para vocês.

Estava eu, a contemplar o mar no dia em que o mundo pára na ressaca do reveillon. Melhor dizendo, estava eu e minha namorada, saudando Yemanjá no primeiro dia do ano, já que abdicamos de ir à praia na virada de ano. Queríamos ficar longe da confusão, sabe? De noitinha, fizemos um passeio pelo calçadão e depois fomos para a areia, na beirada do mar. Eu estava portando a mochila de minha amada, cheia de pertences: carteira com dinheiro, câmera fotográfica, roupas, etc. Tudo ótimo, noite agradável, sentamos na areia, bem pertinho da beira do mar, para discutirmos algumas bobagens corriqueiras.

A gente estava no meio de uma discussão, há uns 2 minutos já sentados na praia de Ipanema, em frente à rua Rainha Elizabeth, quando um elemento se aproximou, sem que percebessemos:

- Olha só, é melhor ir passando tudo o que vocês têm, senão eu mato os dois! - exclamou o assaltante, que era jovem, branco e estava com um casaco, onde supostamente ameaçava ter uma arma de fogo.

Foi um susto da porra. Eu tava no meio de uma conversa séria e não queria ser interrompido. Respirei um bocado, tentei manter a calma e finalmente dei uma resposta.

- Meu amigo, estou conversando com a minha mulher, numa boa, e as coisas não são bem assim...

- Vocês querem MORRER? Eu estou avisando, estou armado e se vocês não derem TUDO O QUE VOCÊS TÊM, vocês vão cair! - continuou o infrator, querendo a mochila que estava comigo

- Não é bem assim, rapaz. Você não vai levar tudo o que temos e nem vai matar ninguém aqui, fica calmo, por favor - retruquei

O cara ficou nervoso. Não parava de "segurar" a tal arma. Todo mundo estava nervoso. Ele não encostou um dedo sequer na gente. Mas o caso tinha que ser resolvido e alguém ia sair perdendo. Eu não ia dar a mochila pra ele de jeito nenhum.

- Você tá armado mesmo? Mostra a arma aí, que eu te passo o que você quiser - arrisquei.

O assaltante e a minha namorada ficaram mais nervosos ainda neste momento.

- Você tá maluco? Se eu mostrar minha arma, eu vou ter que sentar o dedo nos dois! - Ele ameaçou fortemente.

Nesse momento, eu pensei muito em partir pra porrada. Ele era magrinho, não esboçou nenhuma agressão e eu seria capaz de duvidar que aquele filho da puta estava armado. Mas pensei na minha mulher, pensei nas consequências e achei melhor tentar levar na conversa.

- Cara, você não vai matar ninguém, ninguém vai morrer aqui, fica calmo aí, na boa - eu disse, levantando-me e tentando acalmá-lo.

Neste momento, todos se levantaram.

- Você é um cara bom, não precisa disso - disse, passando a mochila para a minha namorada, enquanto ele estava perto de mim, já de pé. Eu não estava disposto a dar nada pra ele.

- Vocês são um bando de playboy, eu to passando fome e preciso comer alguma coisa! - disse o delinquente, já desesperando-se.

- A GENTE NÃO É PLAYBOY! - exclamou minha namorada, indignada.
- É, rapaz, todo mundo aqui é trabalhador e honesto, ninguém tá rico aqui não - prossegui.

O cara se acalmou, mas ainda queria dinheiro. Minha namorada, para acabar com a discussão, abriu a carteira e deu R$ 30 para o marginal.
Eu não me conformei:

- Ei pera aí, cara! Trinta reais é muito para comer! Devolve pelo menos 10 aí - Mas a coisa já tava feita. Ele sorriu irônico e disse:

- É isso aí, vou comer bem!

E nos afastamos. Eu e minha mulher em uma direção e ele em outra, passando ao lado de uma barraca de praia que estava rebaixada. Eu não parava de xingar o cara, dizendo que isso não ia ficar assim.
E nessas horas, não se acha polícia por lugar alguum!

Voltei discutindo ainda mais com a minha mulher. Ela estava puta comigo, por achar que eu conversei demais com o assaltante. E eu, puto com ela, por ela ter dado dinheiro para aquele babaca. Eu queria ir para delegacia registrar queixa, mas ela não quis. Foi uma merda total, um estresse completo. Pelo menos eu não dei a mochila. Acompanhei-a até o ponto de ônibus e depois que ela partiu, fui correndo até a 13ª DP, em Copacabana.
Perdi 30 minutos de minha vida lá. Eu dizia ao policial que dava pra pegar o cara, que ele devia ser local, amigo dos barraqueiros, mas ele ignorou e se limitou a me dar um REGISTRO DE OCORRÊNCIA.

Saí da delegacia e como eu já não tinha nada mais a perder, fui atrás do assaltante por conta própria. Se a Polícia não queria me ajudar, eu tinha a curiosidade ao menos de saber se aquele desgraçado era um trombadinha que se evapora ou era apenas um playboy fodido, cheirador de pó.

E acertou quem optou pela segunda alternativa.

O cara ainda estava na praia, logo quando eu cheguei. "Que idiota"... eu pensei. Mais um momento de tensão quando nos reencontramos. Pedi meus R$ 30 de volta, mas ele estava doidão, tomando uma cerveja em uma das mãos e com um maço de cigarros na outra, provavelmente comprados com o dinheiro que ele roubou. Eu não tinha mais o que fazer. Sair na mão seria prejuízo certo para ele, mas eu também poderia me ferrar. Como eu não queria sujar minhas mãos naquele nariz cheio de cocaína, eu mandei ele pagar uma cerveja pra mim e ficamos conversando - autor e vítima - bem no meio da areia de Ipanema. Descobri o nome dele, a ocupação, tínhamos vários conhecidos em comum...

Que merda, que merda. Fui assaltado por um playboy viciado em pó, só na lábia, mais uma vez. Mas dessa vez ele estava na minha frente! O que adiantaria chamar a polícia? Uma investigação demorada se iniciaria pelo Artigo 157, do Código Penal - ROUBO A TRANSEUNTE, o que resultaria na prisão dele, uma espécie pós-graduação no crime, sem contar que o cara ficaria com um ódio mortal de mim... Eu não queria isso.
Consegui descobrir tudo por conta própria em apenas 40 minutos. Mostrei meu RO e dei a segunda página do RO para ele, que só tinha a descrição do caso e a assinatura do "escriba", Rafael, meu pseudo-chará, da Polícia. (que eu bem que queria transcrever aqui...)
Dei um monte de lição de moral no cara, mas não ia adiantar nada mesmo... O sujeito ainda pegou uma trouxinha de cocaína, que disse ter comprado lá no Cantagalo, e armou uma carreirinha na própria mão.

- Quer? - Ele me ofereceu.
- Não, obrigado, não curto - respondi.

E ele, numa profunda puxada, aspirou aquilo que seria o troco que pedi de volta pra ele no assalto. Meu dinheiro virou pó, literalmente... Com o nariz todo branco, o cara me prometeu pagar os 30 merréis de volta, aos pouquinhos, quando voltássemos a nos encontrar. Apesar de eu não acreditar nele, eu disse que aceitaria. No fim da cerveja, ele ainda me abraçou, disse que eu sou um cara legal e disse que seríamos amigos. Muy amigos...
"Que idiota", pensei novamente...

E foi assim que 2009 começou para mim. Eu ainda dei sorte, por ser um assaltantezinho de merda, que não era MAU de verdade.
Querem saber o nome dele? Onde ele trabalha? Não vou dizer. Descubram tudo por conta própria. Mas não tentem fazer o que eu fiz. Você pode acabar se dando mal...

Feliz 2010 para todos!