domingo, 14 de setembro de 2008

Arte e Saudosismo.

Saudosismo. Será que alguém pode sentir saudosismo de algo não vivido? Será que o sentimentalismo pode ser atemporal? Será que um jovem de 21 anos pode ter saudades da década de 60?

Nos dois últimos finais de semana tive oportunidades únicas e raras. Na sexta passada, ao entrar na sala de Cinema Paissandu às 23h15 da noite acho que tive uma sensação estranha. Todas aquelas pessoas ali em minha volta, umas da mesma idade, outras que com certeza participaram da “Geração Paissandu”, outras que construíram a contra cultura cinematográfica e outras que nem sabem porque ou como, mas estão ali, com seus olhos adestrados cinematograficamente assistindo Felini.

Dentre os muitos filmes que assisti nas últimas sessões do "Paissandu" (“Casablanca”, “Bela da Tarde”, etc.) um deles merece minha simplória análise, “Noites de Cabíria”. Um clássico do neo-realismo e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Sútil, engraçado, semióticamente perfeito. Cheio de simbologias e referências que nos fazem esquecer por um momento todo pragmatismo do cinema atual.

Neste sábado, o privilégio foi inenarrável. Sérgio Britto atuando em Samuel Beckett, um “duelo” de mestres, um com 85 anos e uma densidade cênica de fazer chorar, o outro, dramturgo irlandês, que faz da solidão humana sua potência cognitiva para analisar como o homem é impotente diante das curvas da vida.

Eram dois monólogos, “A última gravação do Krapp” e “Um ato sem palavras”. O primeiro, escrito em 1957, um ato nostálgico, que traz várias referências autobiográficas do autor e uma relação de memórias românticas com a sua amada. O segundo, de 1956, leva ao público a admiração de Beckett pelo cinema mudo, uma adaptação do livro “A mentalidade dos Macacos”, da década de 30. No livro, experimentos realizados com macacos que colocavam um cubo sobre outro para alcançar uma banana. Na peça, as tentativas do personagem de alcançar uma garrafa d’água para matar a sede traduzem uma realidade mais sarcástica e ácida que a dos macacos.

Eu fico pensando, será que só antigamente que se faziam coisas geniais ou hoje que só fazem merda? Será que estou caindo num saudosismo exacerbado? Ou será que estou avançando intelectivamente e sabendo separar as coisas “boas” das “ruins”?

Difícil saber. No entanto é fácil descobrir, diante de uma realidade instantaneísta e espetaculosa midiáticamente, porque quando nos deparamos com artes que nos trazem uma complexidade angustiante, ficamos completamente fascinados. Verdadeiras “porradas” na mente.

Posso estar sendo saudosista (bem provável que isso esteja acontecendo), mas não podia deixar de registrar dois momentos inesquecíveis, onde a velocidade do discurso humano atual fica pueril perante a genialidade de pessoas do século passado.

3 comentários:

Alexandre Vasconcellos disse...

Gabriel,

Muitas vezes, mas muitas MESMO me pego pensando EXATAMENTE como vc: como posso ter saudades das coisas que não vivemos?

Tenho uma linha de raciocínio nesta direção, ainda em desenvolvimento...mas isso é outro papo hehehe.

Hoje a mídia só se interessa pelo que se pode vender, pelo que se pode canalizar. Tá provado: o substancial não vende se não tiver um forte apelo comercial imbutido, seja um dramalhão, seja sexo, seja polêmica...um bom produtor e um bom diretor comercial valem mais que um diretor sagaz ou uma boa idéia.

Na era da velocidade, o que atinge mais pessoas com mais rapidez é mais valioso. Liquidez, meu chapa. Investir pouco e ganhar muito.

E dá-lhe filmes água-com-açúcar, NX Zeros da vida e quetais. Viva a mediocridade! Até no "alternativo" se encontra isso: a repetição de idéias, a ausência do novo. O alternativo já é mainstream (msm q seu próprio mainstream) tem tempo...

Raphael Dias Nunes disse...

Muitos filmes e nomes de meu total desconhecimento são citados, portanto eu peço perdão humildemente.

Me limito a comentar de que discordo da idéia da genialidade apenas para filmes e produções antigas. Apesar de ser um produto escasso, há ainda algumas poucas produções recentes que beiram a genialidade. O negócio é peneirar o lixo... mas que tem coisa boa, tem!

Também sou saudosista ao extremo. Mesmo de coisas que nunca estive vivo na época. Esse comentário foi uma genialidade contemporânea! hahahaha
Em um exemplo fora de contexto (porém oportuno), eu me arrepio todas as vezes que escuto "Noventa milhões em ação". Sendo que em 1970, eu ainda estava no saco do meu pai... Mas é extremamente saudosista para mim isto!

Saudações Chorumélicas!

Gabriel Mattos disse...

Dopado, a idéia é debater mesmo, o fato é que se criou esse conceito de uns anos pra cá, antigo é bom novo é uma merda...

Sem dúvida não podemos generalizar nem para um lado nem para o outro.

O próprio ALexandre fez esse gancho no artigo dele. Quem é mais contestador CHico ou Cansei de Ser Sexy??

saudações chorumélicas!!!!