terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Cinema, Montagem e Imagem.

por Gabriel Mattos

A geração dos nativos digitais se adestrou cinematograficamente. Acostumados ao instantaneísmo da produção moderna, deixou de lado verdadeiras enciclopédias para o entendimento prospectivo da linguagem audiovisual.

A epopéia da cultura de massa norte-americana no pós-guerra começou a construir novos paradigmas, que levados a exibição exaustiva, se tornaram irrefutáveis para análises superficiais do cinema moderno. Os anos 80 e 90 afirmaram a cultura Hollywoodiana de se fazer cinema, os “moleques” da década de 70 (DePalma, Scorsese, George Lucas, entre outros.) calcaram seus nomes de vez no mercado e os folhetins ganham dimensões tecnológicas que enchem os olhos do espectador.

A verdadeira relação entre imagem, signo e mensagem se esvaziou juntamente com a construção de um olhar crítico da sociedade, interseção que constrói uma cinematografia linear comparada a criatividade sem recursos do cinema russo por exemplo.

Etimologia e origem

Tendo gênese na Grécia antiga, a imagem (do latim imago) significa representação visual de um objecto. À teoria de Platão, o idealismo, considerava a ideia (ou idéia) da coisa, a sua imagem, como sendo uma projeção da mente. Aristóteles, pelo contrário, considerava a imagem como sendo uma aquisição pelos sentidos, a representação mental de um objecto / objeto real, fundando a teoria do realismo. A controvérsia estava lançada e chegaria aos nossos dias, mantendo-se viva em praticamente todos os domínios do conhecimento.

A partir disso, seu tratamento se diluiu e se fundiu, tendo como cume um mundo onde todas as suas “vertentes” (som, vídeo, áudio) são quase irreconhecíveis entre si.

Desde a “dúvida” entre Platão e Aristóteles, o estudo da imagem é condicionado a códigos pré-adquiridos pelo homem. Mauro Luciano de Araújo, em artigo “Imagem e Ideologia”, mostra como a bagagem cognitiva individual é fator ímpar para observação. Segundo ele: “A imagem que está numa mediação entre a mente e o objeto, ela transcende o que vemos, é mais do que o que percebemos. A idéia é uma imagem modelo para todas as outras, uma fórmula que possui como exemplo várias outras imagens – e exemplifica essas outras imagens.”

Quando esta imagem ganhou movimentos, a discussão ganhou amplitude. Era a hora de criar uma nova linguagem e uma nova forma de decodificação desses signos, de forma a estreitar e catalisar púberes formas de pensamento na interseção pessoa/imagem.

“A saída da fábrica lumiére”, “ O Regador Regado”, entre outros filmes dos irmãos Luimère, começam a traduzir a realidade do olhar humano em telas, costurando, já naquela época, alguns gêneros e traços eternos do cinema moderno.

Além disso, é consensual o fato da imagem transformada em cinema estar intimamente associada a tradição literária, assim como o advento da fotografia manteve, na origem, forte conexão com a pintura. Todavia, ao firmar-se a parceria deste cinema com a literatura, tem-se o intuito de caracterizar-se um paradoxo, ou seja, as duas modalidades são tão próximas entre si, quanto de si distanciadas. A imagem cinematográfica surge suprindo o que a literatura não poderia jamais alcançar. São, portanto, dois sistemas de codificação. Contudo, quando a imagem vira cinema, para seu bem e para seu mal, acaba se desenvolvendo em duas vertentes, “Cinepoética” e “Cine-estória”, ambas subtraídas de modalidades literárias.

Não obstante, a imagem “pura” (cinema mudo) oferece uma subjetivação semiótica maior, extraindo nova codificação dos sentidos, ao passo que a imagem conjugada com palavras e sons, montam um sistema mais facilmente decodificado.

Somando-se esses aspectos, o “movie” leva a imagem e o movimento à interpretação semiótica e imaginativa de cada um.

Cinema Russo e a Montagem

É senso comum que os anos 20 foram do cinema russo. Sendo um dos mais ricos e experimentais do mundo, serve como um dicionário para grandes diretores como Antonioni e Coppola.
A Revolução trouxe consigo escolas de cinema importantes em Moscou e Leningrado. Expressões naturalistas e vanguardistas, embora carregadas ideologicamente, anunciavam a construção de novos paradigmas nas artes visuais.

“A Greve”, de Eisenstein, inaugura a montagem dinâmica com metáforas visuais e contrastes, na seqüência, o antológico “O Encouraçado Potemkim”, com a magistral sequencia na escadaria Odessa. Outros pioneiros na arte da “montagem dinâmica” foram Alexander Dovzhenko, com sua ode a Ucrânica, “A Terra”, e Dziga Vertov, com uma obra paradigmática, “O Homem com uma Câmera”.

Essa concepção de montagem traz a idéia de que cada plano deve funcionar como atração principal, introduzindo dinamismo e ritmo ao filme. Cortes rápidos e sonoridades fortes constroem um mosaico altamente impactantes, privilegiando um conflito semiótico entre as cenas.

Juntamente com a “Montagem Orgânica e Paralela” de Griffith, esta organização Eisenstasiana, forma uma enciclopédia para qualquer tema ligado ao audiovisual hodiernamente.
E um ensaio clássico, Eisenstein compara a montagem com os Ideogramas japoneses. Traçando dualidades entre o sistema de escrita japonês e a construção de uma obra cinematográfica.

“A questão é que a união de dois hieróglifos das séries mais simples deve ser encarada, não como sendo a sua soma, mas como o seu produto, isto é, um valor de outra dimensão, de outro grau. Isto é Montagem. Sim, exatamente o que fazemos no cinema, ao combinar dois planos que são descritivos, de significação singela, para criar sucessões de contextos intelectuais”, afirma o autor.

A Modernidade e Seus Novos Paradigmas

Como dito no primeiro trecho, a emergência de sociedade midiática, calcou a metade final do século XX. Assim, na ebulição da Indústria Cultural (Escola de Frankfurt) era preciso começar a construir artes mais “digestivas” do ponto de vista intelectivo e a fusão dos meios foi fator primordial neste processo.

O vídeo, por exemplo, alterou a subjetivo do espectador diante dos filmes. Substitui-se o tempo “tirânico” do cinema, doando, ao espectador, uma prática democrática, ou seja, ele se torna senhor do tempo e do espaço. Com isso, o olhar perdeu perplexidade.

As novas tecnologias, apesar das benesses indubitáveis, são tão carregadas de obsolescência planejada que não deixam seus moderadores a usarem até o esgotamento prático das mesmas. Basta exemplificar o tempo de cada forma de se fazer cinema. Ficamos décadas nos rolos, passando pelo vídeo (ainda com alguma demora), apenas alguns anos pelo DVD e já caímos na filmagem digital (HD). Assim sendo, não há uma utilização plena dos mecanismos que se dispõe entre os meios.

Apesar de alguns suspiros, a narrativa cinematográfica acaba “matando” a cinepoética. A criação de uma fórmula folhetinesca de se fazer cinema, apesar de se utilizar das montagens de Eisenstein e Griffith, acabam por linearizar a formação de um pensamento crítico mais interpretativo, imaginativo e intelectivo.

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